Uma Mulher do Outro Mundo

Certa vez, o jovem artista estava só em Ubatuba. As crianças estavam na escola e ele resolveu passar uma semana inteira pintando marinhas.

De manhã e à tarde ele pintava, e durante o dia fazia os desenhos para a empresa, que eram despachados de “Sampa”, apelido carinhoso que seu filho Walter dava à grande capital.

Em uma manhã, o jovem resolveu ir pintar na praia de Santa Rita, uma praia reservada e de difícil acesso perto das Toninhas.

O dia estava bem claro. Atrás do jovem havia algumas casas com grandes varandas revestidas de madeira, sob a sombra grandes de castanheiras, apelido dado àquelas árvores de folhas largas que fazem muita sombra.

Aquela manhã de setembro na praia iria mudar muito a sua pintura quanto a temática. Maguetas ia voltar à infância, aos seus três anos de idade, quando observava as babás que passeavam nos jardins da Fazenda Contendas, em Taquaritinga. Os ingleses que construíram a fazenda deixaram lá um costume não comum na região: o chá da tarde na varanda e os passeios matinais com as crianças pelos gramados.

Ele tinha escolhido um ângulo que tinha como ponto principal uma árvore seca trazida pela maré. Provavelmente ela estava encalhada onde as ondas se espalhavam, a uns trinta metros do seu cavalete. Ele já tinha esboçado um quadro 50 x 70 cm, e quando olhou novamente para a árvore, havia uma pessoa encostada no tronco da mesma, uma moça de vestido branco bem leve, quase chegando aos pés descalços, e na cabeça, um grande chapéu de palha com uma fita comprida que descia pela aba até a sua cintura.

Era uma cena incomum.

Ela ficou parada por um bom tempo, o suficiente para ser registrada pelo artista. Essa moça estranha e muito bonita veio lentamente em direção ao jovem, com suas sandálias em uma mão e o chapéu na outra. Sua pele era muito clara, olhos azuis e andar muito gracioso. Maguetas sentiu uma aceleração no coração, pensou em pegar suas coisas e sair correndo dali, para que ela não visse como tinha sido retratado seu rosto em apenas duas ou três pinceladas. Então ela chegou e lhe indagou sobre o quadro num sotaque espanhol e alemão. Quase sem fala, ele respondeu à sua pergunta. A praia continuava deserta, como se tivesse sido deixada só para os dois. Maguetas estava extasiado por essa estranha figura. Conversaram por alguns minutos. O jovem e maravilhado artista pediu que ela ficasse um pouco mais de perfil, pois a distância era grande quando ele a havia pintado no tronco da árvore.

Felizmente ele estava usando uma tela grande e conseguiu captar seus traços com maior facilidade. Foram poucos minutos de conversa, e a moça e seu jeito de olhar com um sorriso diferente, seu pé remexendo a areia branca, e o artista, quase sem fala, completamente apaixonado transpirava como doido, mesmo sendo apenas nove horas da manhã e estando debaixo da sombra da castanheira.

O nome da moça era Gerda. Olhando o resultado da obra, ela disse ter amado o quadro, então pegou a mão do artista e a beijou e depois lhe deu um beijo no rosto. O jovem pintor sentiu uma sensação estranha, as mãos e os lábios da moça eram muito gelados, muito frios, e seus olhos azuis eram distantes e tristes. Então ele pediu que ela voltasse ao tronco cinza e colocasse os pés na areia molhada, para que pudesse retocar a cor refletida.

Num andar gracioso ela foi mostrando na contra luz a forma bela de seu corpo jovem. Os pincéis ficaram parados entre os dedos do artista. Sua mão estava tremula de emoção. Ela era bonita demais para ser de verdade.
Colocando os olhos na palheta, com a intenção de misturar o siena com o laranja para o reflexa dos seus pés e tornozelos o artista tomou a olhar para a praia, mas a moça… havia desaparecido!

Sentando-se numa pedra perto da mureta da casa, o artista estava simplesmente perplexo. Seria uma alucinação? Um delírio? Ele não tinha tomado nada, nem um copo de cerveja que fosse.

Ficou preocupado com sua saúde, talvez devesse consultar um médico em São Paulo. Poderia ser o caso de estar vendo miragens como efeito do consumo de bebidas alcoólicas?

Ficou parado ali por algum tempo depois resolveu ir até à árvore caída para fazer uma investigação. Não havia rastros, nem onde ele a vira chutando a areia. Não havia a menor dúvida ele havia criado essa moça em sua mente, havia criado até o seu nome, sua voz e seu sotaque. A praia de Santa Rita era muito deserta e pequena podiam-se passar horas por ali sem se ver uma só pessoa.

Maguetas ficou olhando o mar, nenhum barco a vista. Somente muito longe umas montanhas iluminadas pelo sol da manha.

Tirando a camisa foi até as ondas e nadou alguns metros na praia tranquila olhando atentamente para todos os lados à procura da moça de vestido branco. Saindo da água, voltou novamente para a sombra. Ele havia levado consigo para a praia um pequeno isopor com algumas garrafinhas de cerveja bem geladas. Bem, então agora o negócio era esfriar a cabeça! Pegou uma cervejinha, abriu, e quando chegou o liquido a boca quase morreu engasgado! Bem atrás dele, ouviu a voz da moça lhe dizendo “Bom dia”, com aquele mesmo sotaque alemão e espanhol. Virou-se lentamente para trás e deparou-se com uma senhora de mais ou menos uns setenta anos de pele, muito clara e olhos azuis como os de Gerda, a moça da praia Que susto ele tomou!

Em seguida chegou um senhor, com um sotaque mais carregado para o alemão. Pediram que ele lhes mostrasse o quadro que havia acabado de pintar bem em frente a casa deles. O artista mostrou. O casal ficou transtornado e a senhora quase gritou.

_É Gerda! É Gerda Rhans! – e os dois começaram a chorar.

O jovem artista primeiramente ficou estático, depois foi ficando mais tranquilo, pelo menos verificou que não estava ficando louco nem tendo alucinações. Gerda realmente existia, apesar de não ter encontrado seus rastros.

Então o casal passou a conversar entre si somente, durante alguns minutos e tudo em alemão sempre repetindo o nome da moça. Maguetas estava ficando curioso.

De repente viraram-se para ele e lhe perguntaram como havia conseguido obter aquela imagem. Ele lhes explicou todos os acontecimentos e disse que gostaria muito de vê-la novamente, e se possível conversar com ela que ela se fora sem ao menos dizer um tchau.

O casal, com os olhos molhados não deram resposta. Gostaram muito do quadro e quiseram compra-lo. Maguetas não estava disposto a vender mas, diante da insistência dos dois, vendeu. Pagaram-lhe em dólares como era costume dos turistas que andavam por ali. E o quadro “Gerda na Praia” se foi.

Antes de entrar em casa, olharam bem nos olhos do jovem artista e disseram. Esta e nossa filha Gerda. que nasceu na Argentina e morreu há trinta anos, nesta praia.

Aquela noite o jovem tomou todas em um boteco na praia do Perequê Mirim.

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