“Poderá Júpiter sobreviver ao pára-raios?”
perguntava Karl Marx nos meados do século XIX.
Em 1874, o estúdio do fotógrafo Félix Nadar, em Paris, acolhia a primeira exposição de um grupo de pintores que em breve começariam a ser conhecidos com o nome de impressionistas. Dos seus quadros, pintados ao ar livre com rápidas pinceladas de cores vivas e brilhantes, surgiu uma verdadeira revolução da tradição pictórica ocidental procedente do Renascimento. Este novo conceito da cor é o primeiro elo da história da arte moderna. Sem ele o seu rumo não teria sido o mesmo. O impacto causado por esta corrente artística, até os dias de hoje, não pode ser subestimado.
Os artistas tinham a ambição de capturar as impressões visuais imediatas e davam valor à pintura ao ar livre, suprimindo os contornos dos objetos, que tendem a perder sua importância. Pinturas de luz e atmosfera, com jogos de luzes diretas e refletidas. Ao pintar a “visão” – não aquela que se enxerga, mas a que significa ver – eles foram os arautos do modernismo, iniciando um processo que revolucionaria o conceito e a percepção do objeto artístico.
A Errol Flynn Galeria de Arte, com sua política de diversificação e pluralização de suas realizações, abre suas portas para uma mostra de quatro artistas remanescentes da escola Impressionista. São eles: Rui de Paula, Vincenzo Cencin, Washington Maguetas e Luiz Pinto. São pintores realistas, designação pela qual me refiro ao estilo de pintura que continua, com poucas variações, as tradições acadêmicas do século XIX. Pinturas como fusão de arte e natureza. É a vida como exercício, onde os artistas perseguem flagrantes, buscando o permanente dentro do fugaz.
Deve-se observar, que se uma das premissas do Impressionismo era a rejeição ao romantismo, o que une estes artistas expositores – além de outros conceitos pertinentes do Impressionismo – é o fator romântico. Visto apenas sob este aspecto, então, nenhum dos quatro pintores pertencem a esta escola. Talvez, o que os induz ao romantismo seja a busca de um tempo perdido, ou uma crença no valor supremo da experiência individual; pois estes artistas exploram os valores da intuição e do instinto, cujas formas compõem um repertório comum e inteligível.
A tradicional pintura de Maguetas não tem por objetivo reproduzir fielmente o conjunto de sensações coloridas recebidas pelos sentidos, mas, sim, transmitir a solidão do homem na cidade, e sua incomunicabilidade. Pinta espaços e situações que nos transmitem uma visão subjetiva da condição humana. Sua obra nos conduz a um passado distante. É um exercício imaginativo e uma atmosfera de fantasia. Trabalha com um mundo idealizado.
Para Vicenzo Cencin o universo exterior perde o poder de constrangimento e é transportado para suas telas inteiramente em cores antinaturalista, tornando para o artista um teclado musical. Levado pela intuição, somente encontra recurso na sua sinceridade e cada tela que executa resulta em maestria, empenhando e tornando a re-inventar a pintura a cada vez que a elabora. A cada olhar de um novo quadro se descobre um novo frescor e o menor do seu aspecto participa de beleza em movimento. Pinta sentimentos transformado em luz, captando o calor e a alegria de um tempo despreocupado.
As pinturas de Rui de Paula surgem através de cores irreais e delicadas, bem trabalhadas e educadas. Rui colhe intervalos de repouso ou deleite imbuídos de poesia cotidiana. Nas cenas realizadas com o estilo espontâneo e audaz, desaparece qualquer tensão e ambiguidade psicológica. Nos seus quadros desprende-se um clima de gravidade e tensão surpreendentes por se tratar de cenas domésticas e são de um frescor que, emanados de luminosidades rejuvenescem e semeiam otimismo, calor humano e alegria.
As telas de Luiz Pinto são compostas de formas coerentes com os personagens e com cores bem articuladas, soltas e compostas ao mesmo tempo. A sombra sutil com a qual envolve a paisagem define mais claramente as formas, que tomam na composição lugares aparentemente acidentais. Os contornos são incisivos. A composição tem equilíbrio notável entrosando-se com o tema, revelando unidade de forma-conteúdo presente em todo bom artista.
Esta mostra é apenas um recorte de alguns protagonistas do movimento Impressionista. Talvez um tributo que a Errol Flynn Galeria de Arte presta a resistência heróica destes artistas, que insistem em duelar com a efervescência do movimento artístico contemporâneo. A Galeria, como espaço múltiplo e eclético, tem por obrigação conhecer e divulgar todo e qualquer movimento cultural e leva em conta que estes artistas são personagens ativos que atuam, contribuem e enriquecem o panorama das artes vivas do nosso país.